segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Prosopopéia das Letras



Houve um alquimista que estudava as letras como quem estuda substâncias em frascos de reagentes. Ele acreditava insistentemente que as palavras iam além de meras criações humanas. Cria que as línguas remotas tinham origens divinas, como um presente de Deus para a humanidade. Equipado com penas, tinta e papéis, tentava reagir as letras. 

Experimentava descobrir a composição de versos e narrativas consagradas de modo tal que encontrasse “espécies literárias puras” que lhe dessem alguma evidência da magia dos vocábulos.Ora, assim como o Universo possui seus cinco elementos fundamentais – água, terra, ar,fogo e metal(componente celeste) – a língua também poderia ter seus elementos marcantes.Seriam as vinte e tantas letras ou palavras primitivas? Experimentou analisar o latim,o grego,línguas bárbaras, línguas do tão pouco conhecido Oriente, anglo-saxônicas e mesopotâmicas além do hebraico: Ambisiava descobrir uma ligação invisível entre elas, um elo, a curva da energia de ligação, assim como os nós que ligam os dedos.

“Línguas estranhas” também o atraiam. Línguas angélicas. Elementos com propriedades específicas não ficavam de fora do campo de pesquisa: A pedra filosofal era uma hipótese em destaque, penas de fênix, ossos de dragões ou raspa de pó de Unicórnio. Visitara a floresta negra no sul alemão – terra dos irmãos Grimm -  os lagos escoceses e suíços, as ruínas babilônicas e judaicas, remanescentes dos vikings dinamarqueses, as pinturas rupestres por boa parte do litoral africano e, a muito custo, chegou a ir ao império chinês. A fortuna herdada tornou-se rala, mas nada poderia abalar suas esperanças, quer fosse as finanças, o cansaço ou a solidão.

Ele sonhava.

Nos Sonhos as pessoas não mais se utilizavam de bibliotecas, livrarias ou salas de leitura. As páginas dos livros já não tinham mais palavras e orações: O mundo as tinha. As palavras eram agora errantes e palpáveis. Algumas frases passeavam pela rua cochichando segredos na nuca das pessoas. Outras palavras, mais grosseira, escandalizavam quem as via: Doravante as palavras e expressões delicadas e cultas cumprimentavam educadamente a qualquer um que encontrasse no caminho. Havia também as que estavam em negrito, buscando destaque; as em itálico, todas pomposas, obrigando toda gente a inclinar as cabeças para Lê-las.Os códigos exigiam ser desvendados, divertindo aos filó$ofos da n@tur&za.Os adjetivos acompanhavam os sujeitos compatíveis ao que caracterizavam.As palavras mais belas se uniam e formavam versos para as damas na  janela.Tem as que eram tão marginalizadas e esquecidas que se escondiam nas florestas escuras e densas enquanto outras atraiam a todos e adquiriam fama de lugar-comum ou gíria...

Foram em sonhos assim que o tempo do alquimista das letras foi esbanjado. Para seu azar, jamais encontrou a pedra filosofal que poderia personificar o conteúdo no papel nem esbarrou com uma fênix, um sereiano ou algo do tipo. Chegou ao túmulo com esperanças frustradas. Mal sabia ele que as letras já eram vivas. A natureza delas vem da retratação da alma humana. São símbolos que expressão o que de mais promissor tem a mente e o espírito.

Com os livros os homens passam a conhecer as experiências concretas e emocionais de outros que viveram a anos atrás de maneira tal que muitas vezes não se é capaz de compreender em alguém que se venha a conhecer hoje; A barreira do tempo é assim rompida.

As produções literárias são as almas escarradas dos homens; A barreira do inacessível é assim quebrada.
E chega a haver livros que escondem tantos segredos sobre o espírito e a natureza humana que se tornam sagrados. A barreira de acesso a Deus é assim rompida...

O espírito desse conto foi tirado da frase de Muriel Spark que introduz o livro “Realidade e Sonhos”:
“Muitas vezes ele se perguntava se não seríamos todos personagens de um sonho de Deus.”

5 comentários:

  1. Esse é o primeiro conto que
    decidir publicar...
    Espero que tenham gostado.
    Outros já foram concluídos ou
    estão sendo produzidos para serem publicados
    em breve.
    =}

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  2. Oi, Erivelton, fiquei absolutamente encantada com seu blog. Gostei muito. É inteligente, artístico e convidativo. Sinto-me feliz em segui-lo.

    Até mais...

    Daiane

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  3. Erivelton

    Sempre acreditei que as palavras, estas tidas como preciosas, só poderiam ser fruto de alguma alquimia.

    Seu conto é sublime e repleto de encanto.

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  4. Muito bom conhecer a História
    da Imagem no Meu BLOG!!!

    Realmente eu não sei de onde vem__de quem é
    __São os _ACHADOS NA NET__

    bjs
    e Boa Semana Amigo!!!

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  5. "As produções literárias são as almas escarradas dos homens; A barreira do inacessível é assim quebrada." perfeito! tens habilidade em rompê-las. Continuarei lendo teus posts.
    Uma singela indicação, se ainda não leu: O Mundo de Sofia_ Jostein Gardeer, é muito bom no mesmo sentido de realidade/sonho.Teu conto é mágico e envolvente, adorei. beijos.

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